O veneno da traição

O veneno da traição

 

A traição foi motivo de muitos escândalos em todas as épocas da humanidade, não somente a traição no campo do sentimento, mas nos negócios, nas amizades, nos ideais em todos os aspectos humanos. Trair, seja a confiança, um relacionamento, uma amizade, sempre deixa marcas profundas, sequelas difíceis de apagarem das lembranças; só nos ofendemos por aqueles a quem realmente amamos e que por uma ocasião tenha nos ferido.

O termo traição pode ser entendido como deslealdade, desapontamento da expectativa de alguém; é desvendar os segredos de outrem, entregar um amigo aos seus inimigos; distanciamento; é também decepcionar um amigo, além de ser contada como engano e infidelidade, perfídia, desonestidade. A traição é baseada na mentira. É um dos piores, senão o pior golpe que alguém pode receber de um amigo ou de uma pessoa que se considera ou que se ama.

Há personagens que simbolizam tal atitude, o traidor Joaquim Silvério dos Reis, que entregou Tiradentes, o Alferes mártir do movimento separatista da Inconfidência Mineira, aos seus julgadores e executores, os representantes da Coroa Portuguesa. Por razões políticas, Joana D’Arc foi traída por companheiros franceses. Aprisionada, foi acusada pelos ingleses de heresia e bruxaria, para depois ser condenada por um tribunal da Igreja e queimada viva em Ruão em 1431.

Antes da publicação do “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec é orientado pelo Espírito de Verdade. Ele diz no livro “Obras Póstumas” que: “a missão dos reformadores é cheia de escolhos e perigos; a tua é rude; previno-te, porque é ao mundo inteiro que se trata de agitar e de transformar. Não creias que te seja suficiente publicar um livro, dois livros, dez livros, e ficares tranquilamente em tua casa; não, é preciso te mostrares no conflito; contra ti se açularão terríveis ódios, implacáveis inimigos tramarão a tua perda; estarás exposto à calúnia, à traição, mesmo daqueles que te parecerão mais dedicados; as tuas melhores instruções serão impugnadas e desnaturadas; sucumbirás mais de uma vez ao peso da fadiga; em uma palavra, é uma luta quase constante que terás de sustentar com o sacrifício do teu repouso, da tua tranquilidade, da tua saúde e mesmo da tua vida, porque tu não viverás muito tempo”.

Allan Kardec então escreve uma nota, no dia 1° de janeiro de 1867, dizendo que: “Passados dez anos e meio depois que esta comunicação me foi dada, e verifico que ela se realizou em todos os pontos, porque experimentei todas as vicissitudes que nela me foram anunciadas. Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme; têm sido publicados contra mim infames libelos; as minhas melhores instruções têm sido desnaturadas; tenho sido traído por aqueles em quem depositara confiança, e pago com a ingratidão por aqueles a quem tinha prestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido um contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam a meu favor, e que, mostrando-se amáveis em minha presença, me detratavam na ausência. Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalariados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais tenho conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do trabalho, tem-se-me alterado a saúde e comprometido a vida”.

O discípulo Judas Iscariotes entregou o Cristo aos seus inimigos, os sacerdotes hebreus, com um beijo em sua face, ele é preso pelos romanos. É considerado culpado de sacrilégio pelo sumo sacerdote e entregue ao aparelho judicial romano, na pessoa de Pôncio Pilatos. Jesus é condenado, como se fosse um vulgar criminoso, à morte na cruz.

No momento mais difícil da vida do Mestre, Pedro sequer admite que havia convivido com ele, negando por três vezes. Judas, por sua vez, aproveita-se da proximidade de Jesus para denunciá-lo de modo mais eficaz e seguro. Se analisarmos bem, ambos são traidores porque traíram o Mestre, suas atitudes até podem ser explicadas, Pedro estava com medo e inseguro, sentindo-se fragilizado e inútil diante da prisão de Jesus, Judas enganou-se completamente sobre a mensagem do Mestre e por sua ação pacífica e mansa, esperando mais um líder político e belicoso, como o rei Davi.

Pedro e Judas eram seguidores do Mestre, indivíduos que foram escolhidos por ele para ajudar na divulgação da Boa Nova, exemplificando através das ações altruístas e pela conduta reta divulgando a mensagem libertadora e transformadora do Cristo. Muito mais do que apóstolos eram seus amigos, sujeitos que compartilhavam na sua mais profunda intimidade.

Todos nós invariavelmente possuímos imperfeições e fraquezas humanas e temos que entender os erros dos outros, porque podemos passar pela mesma situação. Podemos errar pelos mais diversos motivos, o que torna compreensíveis os erros, mas isso não altera e nem justifica a realidade gerada por uma ação errada.

No entanto, aquele que comete este ato tão condenável que é traição, por si só, já se condenou, pois o sofrimento, o abandono, a discriminação e o escândalo do ato são, às vezes, muito piores, gerando uma prisão íntima que é alimentada pelo remorso e pela própria consciência. Quando não vem, a “dor moral” que custa muito a passar. Às vezes doendo muito mais em quem cometeu o ato, do que na própria vítima. O algoz pelo erro se condena e se julga por duas vezes, por si mesmo e pelo outro.

O arrependimento e a culpa frequentemente são tão dolorosos processos que martelam nossos pensamentos; pelo relato de Mateus, não foi Jesus quem sofreu, mas Pedro e Judas é que sentiram o forte impacto do erro que cometeram. Porque o Mestre sabia o peso da reação perante as duas consciências, Jesus lhes perdoou.

Contudo, é evidente a diferença no modo como os dois lidaram com o erro que cometeram e com o remorso e o sentimento de culpa que sentiram. Judas não aguentou a pressão e suicidou-se, já Pedro tornou-se um grande líder da comunidade cristã. Judas infelizmente não suportou a força do próprio erro e caiu nas malhas da autodestruição, enquanto Pedro foi capaz de superá-lo e ir adiante.

Judas simboliza uma maneira destrutiva e pessimista de encarar as próprias faltas e imperfeições, enquanto Pedro mostra um modo mais altruísta de reagir.
A diferença entre os dois é que Judas não foi capaz de perdoar a si mesmo, de encontrar forças para ter esperança e coragem de seguir adiante, buscando no suicídio uma alternativa para fugir de suas falhas, gerando pelo ato mais dor e sofrimento.

O perdão é uma força libertadora e regeneradora, na medida em que nos dá uma oportunidade de tentarmos de novo e melhorar sempre. Rejeitar a si mesmo é negar a reabilitação íntima, é jogar fora a possibilidade de uma nova oportunidade de ser feliz e fazer diferente, é abandonar os sonhos, a esperança, é desperdiçar aquilo que temos de mais precioso: a vida que o criador nos deu, e isso já é, por si mesmo, uma punição estrondosa. Judas é um pouco de todos nós. Sua figura, por todo desespero e angústia que sofreu, não merece malhação, merece compaixão e compreensão.

São experiências dolorosas que nos pedem reconciliação com a nossa consciência e com aqueles que ferimos; nada pior do que lesar o outro no campo do sentimento; é uma das lições mais complexas de serem superadas, muitas vezes são décadas para se reconstruir um relacionamento rompido pelas marcas da traição, outras vezes são inúmeras reencarnações para se acertar os desatinos ocorridos no passado. A instituição chamada família sempre é o palco destes resgates, maridos e esposas, filhos e pais vão polindo as arestas e desfazendo as diferenças criadas em muitas existências pregressas.

As atitudes de uma pessoa estão diretamente ligadas à sua condição moral e evolutiva, a vida terrena gera as situações onde precisamos nos corrigir, surgindo de forma natural em consequência da nossa conduta, vítimas e algozes se encontrão e aí caberá a cada um lutar ou recair no mesmo erro.

A traição provém de vários fatores que levam para este ato: questões culturais, carências, insatisfação em relação a desejos e expectativas com o (a) parceiro (a), vingança, a busca pelo novo, o estímulo provocado pela sensação de perigo, ou mesmo de poder.

O ato de trair não precisa necessariamente consumar o ato sexual. Não compartilhar mais as regras de fidelidade com o parceiro já pode ser encarado como traição. Uma terceira pessoa presente nos pensamentos é uma traição. Cobiçar a mulher ou o homem alheio é uma forma de adultério, como nos orienta Mateus “Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. Como tratou Jesus a mulher adúltera?” (5:27-28).

Todo pensamento, palavra e ação que tomamos têm na sua consequência uma direção psíquica voltada para nós mesmos, porque todo pensamento é vida, com isso, tudo aquilo que projetamos retorna à sua origem, iniciando um tipo de comportamento condizente com aquilo que pensamos. Devemos ser responsáveis pelos nossos pensamentos e entender que podemos contribuir com os nossos mais íntimos desejos com a infelicidade ou a felicidade do outro.

Tudo começa no pensamento, Jesus fala da força do pensamento, considerando-o como algo concreto e real. Entendemos que tudo o que sai da mente como pensamento, sentimento, palavra e finalização da ação, retorna na mesma intensidade, pois projetamos os nossos desejos, sonhos e toda vontade, direcionando nossa fé, crenças e os nossos verdadeiros tesouros. Fé não é apenas algo relacionado ao divino, fé é tudo aquilo que você acredita, seja por temor ou amor.

“Eduardo Augusto Lourenço”

EGO, O FALSO CENTRO

       “O primeiro ponto a ser compreendido é o ego.
Uma criança nasce sem qualquer conhecimento, sem qualquer consciência de seu próprio eu. E quando uma criança nasce, a primeira coisa da qual ela se torna consciente não é ela mesma; a primeira coisa da qual ela se torna consciente é o outro. Isso é natural, porque os olhos se abrem para fora, as mãos tocam os outros, os ouvidos escutam os outros, a língua saboreia a comida e o nariz cheira o exterior. Todos esses sentidos abrem-se para fora. O nascimento é isso.
Nascimento significa vir a esse mundo: o mundo exterior. Assim, quando uma criança nasce, ela nasce nesse mundo. Ela abre os olhos e vê os outros. O outro significa o tu.
Ela primeiro se torna consciente da mãe. Então, pouco a pouco, ela se torna consciente de seu próprio corpo. Esse também é o ‘outro’, também pertence ao mundo. Ela está com fome e passa a sentir o corpo; quando sua necessidade é satisfeita, ela esquece o corpo. É dessa maneira que a criança cresce.
Primeiro ela se torna consciente do você, do tu, do outro, e então, pouco a pouco, contrastando com você, com tu, ela se torna consciente de si mesma.
Essa consciência é uma consciência refletida. Ela não está consciente de quem ela é. Ela está simplesmente consciente da mãe e do que ela pensa a seu respeito. Se a mãe sorri, se a mãe aprecia a criança, se diz ‘você é bonita’, se ela a abraça e a beija, a criança sente-se bem a respeito de si mesma. Assim, um ego começa a nascer.
Através da apreciação, do amor, do cuidado, ela sente que é ela boa, ela sente que tem valor, ela sente que tem importância. Um centro está nascendo. Mas esse centro é um centro refletido. Ele não é o ser verdadeiro. A criança não sabe quem ela é; ela simplesmente sabe o que os outros pensa a seu respeito.
E esse é o ego: o reflexo, aquilo que os outros pensam. Se ninguém pensa que ela tem alguma utilidade, se ninguém a aprecia, se ninguém lhe sorri, então, também, um ego nasce – um ego doente, triste, rejeitado, como uma ferida, sentindo-se inferior, sem valor. Isso também é ego. Isso também é um reflexo.
Primeiro a mãe. A mãe, no início, significa o mundo. Depois os outros se juntarão à mãe, e o mundo irá crescendo. E quanto mais o mundo cresce, mais complexo o ego se torna, porque muitas opiniões dos outros são refletidas.
O ego é um fenômeno cumulativo, um subproduto do viver com os outros. Se uma criança vive totalmente sozinha, ela nunca chegará a desenvolver um ego. Mas isso não vai ajudar. Ela permanecerá como um animal. Isso não significa que ela virá a conhecer o seu verdadeiro eu, não.
O verdadeiro só pode ser conhecido através do falso, portanto, o ego é uma necessidade. Temos que passar por ele. Ele é uma disciplina. O verdadeiro só pode ser conhecido através da ilusão. Você não pode conhecer a verdade diretamente. Primeiro você tem que conhecer aquilo que não é verdadeiro. Primeiro você tem que encontrar o falso. Através desse encontro, você se torna capaz de conhecer a verdade. Se você conhece o falso como falso, a verdade nascerá em você.
O ego é uma necessidade; é uma necessidade social, é um subproduto social. A sociedade significa tudo o que está ao seu redor, não você, mas tudo aquilo que o rodeia. Tudo, menos você, é a sociedade. E todos refletem. Você irá à escola e o professor refletirá quem você é. Você fará amizade com as outras crianças e elas refletirão quem você é. Pouco a pouco, todos estarão adicionando algo ao seu ego, e todos estarão tentando modificá-lo, de modo que você não se torne um problema para a sociedade.
Eles não estão interessados em você. Eles estão interessados na sociedade. A sociedade está interessada nela mesma, e é assim que deveria ser. Eles não estão interessados no fato de que você deveria se tornar um conhecedor de si mesmo. Interessa-lhes que você se torne uma peça eficiente no mecanismo da sociedade. Você deveria ajustar-se ao padrão.
Assim, estão interessados em dar-lhe um ego que se ajuste à sociedade. Ensinam-lhe a moralidade. Moralidade significa dar-lhe um ego que se ajuste à sociedade. Se você for imoral, você será sempre um desajustado em um lugar ou outro…
Moralidade significa simplesmente que você deve se ajustar à sociedade. Se a sociedade estiver em guerra, a moralidade muda. Se a sociedade estiver em paz, existe uma moralidade diferente. A moralidade é uma política social. É diplomacia. E toda criança deve ser educada de tal forma que ela se ajuste à sociedade; e isso é tudo, porque a sociedade está interessada em membros eficientes. A sociedade não está interessada no fato de que você deveria chegar ao auto-conhecimento.
A sociedade cria um ego porque o ego pode ser controlado e manipulado. O eu nunca pode ser controlado e manipulado. Nunca se ouviu dizer que a sociedade estivesse controlando o eu – não é possível.
E a criança necessita de um centro; a criança está absolutamente inconsciente de seu próprio centro. A sociedade lhe dá um centro e a criança pouco a pouco fica convencida de que esse é o seu centro, o ego dado pela sociedade.
Uma criança volta para casa. Se ela foi o primeiro lugar de sua sala, a família inteira fica feliz. Você a abraça e beija; você a coloca sobre os ombros e começa a dançar e diz ‘que linda criança! você é um motivo de orgulho para nós.’ Você está dando um ego para ela, um ego sutil. E se a criança chega em casa abatida, fracassada, foi um fiasco na sala – ela não passou de ano ou tirou o último lugar, então ninguém a aprecia e a criança se sente rejeitada. Ela tentará com mais afinco na próxima vez, porque o centro se sente abalado.
O ego está sempre abalado, sempre à procura de alimento, de alguém que o aprecie. E é por isso que você está continuamente pedindo atenção.
Você obtém dos outros a idéia de quem você é.  Não é uma experiência direta.
É dos outros que você obtém a idéia de quem você é. Eles modelam o seu centro. Mas esse centro é falso, enquanto que o centro verdadeiro está dentro de você. O centro verdadeiro não é da conta de ninguém. Ninguém o modela. Você vem com ele. Você nasce com ele.
Assim, você tem dois centros. Um centro com o qual você vem, que lhe é dado pela própria existência. Esse é o eu. E o outro centro, que é criado pela sociedade – o ego. Esse é algo falso –  é um grande truque. Através do ego a sociedade está controlando você. Você tem que se comportar de uma certa maneira, porque somente assim a sociedade irá apreciá-lo. Você tem que caminhar de uma certa maneira; você tem que rir de uma certa maneira; você tem que seguir determinadas condutas, uma moralidade, um código. Somente assim a sociedade o apreciará, e se ela não o fizer, o seu ego ficará abalado. E quando o ego fica abalado, você já não sabe onde está, você já não sabe quem você é.
Os outros deram-lhe a idéia. E essa idéia é o ego. Tente entendê-lo o mais profundamente possível, porque ele tem que ser jogado fora. E a não ser que você o jogue fora, nunca será capaz de alcançar o eu. Por estar viciado no falso centro, você não pode se mover, e você não pode olhar para o eu. E lembre-se: vai haver um período intermediário, um intervalo, quando o ego estará se despedaçando, quando você não saberá quem você é, quando você não saberá para onde está indo; quando todos os limites se dissolverão. Você estará simplesmente confuso, um caos.
Devido a esse caos, você tem medo de perder o ego. Mas tem que ser assim. Temos que passar através do caos antes de atingir o centro verdadeiro. E se você for ousado, o período será curto. Se você for medroso e novamente cair no ego, e novamente começar a ajeitá-lo, então, o período pode ser muito, muito longo; muitas vidas podem ser desperdiçadas…
Até mesmo o fato de ser infeliz lhe dá a sensação de “eu sou”. Afastando-se do que é conhecido, o medo toma conta; você começa sentir medo da escuridão e do caos – porque a sociedade conseguiu clarear uma pequena parte de seu ser… É o mesmo que penetrar numa floresta. Você faz uma pequena clareira, você limpa um pedaço de terra, você faz um cercado, você faz uma pequena cabana; você faz um pequeno jardim, um gramado, e você sente-se bem. Além de sua cerca – a floresta, a selva. Mas aqui dentro tudo está bem: você planejou tudo.
Foi assim que aconteceu. A sociedade abriu uma pequena clareira em sua consciência. Ela limpou apenas uma pequena parte completamente, e cercou-a. Tudo está bem ali. Todas as suas universidades estão fazendo isso. Toda a cultura e todo o condicionamento visam apenas limpar uma parte, para que ali você possa se sentir em casa.
E então você passa a sentir medo. Além da cerca existe perigo.
Além da cerca você é, tal como você é dentro da cerca –  e sua mente consciente é apenas uma parte, um décimo de todo o seu ser. Nove décimos estão aguardando no escuro. E dentro desses nove décimos, em algum lugar, o seu centro verdadeiro está oculto.
Precisamos ser ousados, corajosos. Precisamos dar um passo para o desconhecido.
Por um certo tempo, todos os limite ficarão perdidos. Por um certo tempo, você vai se sentir atordoado. Por um certo tempo, você vai se sentir muito amedrontado e abalado, como se tivesse havido um terremoto.
Mas se você for corajoso e não voltar para trás, se você não voltar a cair no ego, mas for sempre em frente, existe um centro oculto dentro de você, um centro que você tem carregado por muitas vidas. Esse centro é a sua alma, o eu.
Uma vez que você se aproxime dele, tudo muda, tudo volta a se assentar novamente. Mas agora esse assentamento não é feito pela sociedade. Agora, tudo se torna um cosmos e não um caos, nasce uma nova ordem. Mas essa não é a ordem da sociedade – essa é a própria ordem da existência.
É o que Buda chama de Dhamma, Lao Tzu chama de Tao, Heráclito chama de Logos. Não é feita pelo homem. É a própria ordem da existência. Então, de repente tudo volta a ficar belo, e pela primeira vez, realmente belo, porque as coisas feitas pelo homem não podem ser belas. No máximo você pode esconder a feiúra delas, isso é tudo. Você pode enfeitá-las, mas elas nunca podem ser belas…
O ego tem uma certa qualidade: a de que ele está morto. Ele é de plástico. E é muito fácil obtê-lo, porque os outros o dão a você. Você não precisa procurar por ele; a busca não é necessária. Por isso, a menos que você se torne um buscador à procura do desconhecido, você ainda não terá se tornado um indivíduo. Você é simplesmente mais um na multidão. Você é apenas uma turba. Se você não tem um centro autêntico, como pode ser um indivíduo?
O ego não é individual. O ego é um fenômeno social – ele é a sociedade, não é você. Mas ele lhe dá um papel na sociedade, uma posição na sociedade. E se você ficar satisfeito com ele, você perderá toda a oportunidade de encontrar o eu. E por isso você é tão infeliz. Como você pode ser feliz com uma vida de plástico? Como você pode estar em êxtase ser bem-aventurado com uma vida falsa?  E esse ego cria muitos tormentos. O ego é o inferno. Sempre que você estiver sofrendo, tente simplesmente observar e analisar, e você descobrirá que, em algum lugar, o ego é a causa do sofrimento. E o ego segue encontrando motivos para sofrer…
E assim as pessoas se tornam dependentes, umas das outras. É uma profunda escravidão. O ego tem que ser um escravo. Ele depende dos outros. E somente uma pessoa que não tenha ego é, pela primeira vez, um mestre; ele deixa de ser um escravo.
Tente entender isso. E comece a procurar o ego – não nos outros, isso não é da sua conta, mas em você. Toda vez que se sentir infeliz, imediatamente feche os olhos e tente descobrir de onde a infelicidade está vindo, e você sempre descobrirá que o falso centro entrou em choque com alguém.
Você esperava algo e isso não aconteceu. Você espera algo e justamente o contrário aconteceu – seu ego fica estremecido, você fica infeliz. Simplesmente olhe, sempre que estiver infeliz, tente descobrir a razão.
As causas não estão fora de você.
A causa básica está dentro de você – mas você sempre olha para fora, você sempre pergunta: ‘Quem está me tornando infeliz?’ ‘Quem está causando a minha raiva?’ ‘Quem está causando a minha angústia?’
Se você olhar para fora, você não perceberá. Simplesmente feche os olhos e sempre olhe para dentro. A origem de toda a infelicidade, da raiva e da angústia, está oculta dentro de você, é o seu ego.
E se você encontrar a origem, será fácil ir além dela. Se você puder ver que é o seu próprio ego que lhe causa problemas, você vai preferir abandoná-lo – porque ninguém é capaz de carregar a origem da infelicidade, uma vez que a tenha entendido.
Mas lembre-se, não há necessidade de abandonar o ego. Você não o pode abandonar. E se você tentar abandoná-lo, simplesmente estará conseguindo um outro ego mais sutil, que diz: ‘tornei-me humilde’…
Todo o caminho em direção ao divino, ao supremo, tem que passar através desse território do ego. O falso tem que ser entendido como falso. A origem da miséria tem que ser entendida como a origem da miséria – então ela simplesmente desaparece. Quando você sabe que ele é o veneno, ele desaparece. Quando você sabe que ele é o fogo, ele desaparece. Quando você sabe que esse é o inferno, ele desaparece.
E então você nunca diz: ‘eu abandonei o ego’. Você simplesmente irá rir de toda essa história, dessa piada, pois você era o criador de toda essa infelicidade…
É difícil ver o próprio ego. É muito fácil ver o ego nos outros. Mas esse não é o ponto, você não os pode ajudar.
Tente ver o seu próprio ego. Simplesmente o observe.
Não tenha pressa em abandoná-lo, simplesmente o observe. Quanto mais você observa, mais capaz você se torna. De repente, um dia, você simplesmente percebe que ele desapareceu. E quando ele desaparece por si mesmo, somente então ele realmente desaparece. Porque não existe outra maneira. Você não pode abandoná-lo antes do tempo. Ele cai exatamente como uma folha seca.
Quando você tiver amadurecido através da compreensão, da consciência, e tiver sentido com totalidade que o ego é a causa de toda a sua infelicidade, um dia você simplesmente vê a folha seca caindo… e então o verdadeiro centro surge.
E esse centro verdadeiro é a alma, o eu, o deus, a verdade, ou como quiser chamá-lo. Você pode lhe dar qualquer nome, aquele que preferir.”
OSHO, Além das Fronteiras da Mente.